quarta-feira, 1 de março de 2023

 Leitura do texto "Chão", resultante do projeto "Quase 100 papéis"


Convido a todas/os/es para a leitura do texto "Chão", resultado do projeto “Quase 100 papéis” - nº 1204/2018, realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte.
Durante o projeto, realizei uma residência de um mês na cidade de Dourados e algumas aldeias guarani e kaiowá, no Mato Grosso do Sul, onde também frequentei o curso de língua e cultura Guarani e Kaiowá. Além disso, o projeto proporcionou o encontro com dezenas de pessoas desconhecidas, como refugiados, estrangeiros, pessoas em situação de rua etc. "Chão" é o resultado poético desse encontro com “o outro” e o
desencontro “consigo”.

Serviço:
A leitura é gratuita, será acessível em LIBRAS. 

Dia 27 de março, às 19:30, no Auditório do Centro de Referência das Juventudes. @crj.bh 
Rua Guaicurus, 50 - Centro, Belo Horizonte
.
Assis Benevenuto é dramaturgo, ator, diretor de teatro. É integrante do Grupo @quatroloscinco quatroloscinco ; coordenador da @editorajavali e doutorando em Estudos Literários pela UFMG.




 Fotos - encontros com diversas pessoas indígenas kaiowá, guarani e não indígenas em Dourados, Reserva Indígena de Dourados (Jagwapiru e Bororó); Panambi; Panambizinho; Comunidad de Santa Teresita no Chaco Paraguaio.

Arete Guasu - Mariscal Félix Estigarribia - Chaco, Paraguai.

Arete Guasu - Mariscal Félix Estigarribia - Chaco, Paraguai.

Arete Guasu - Mariscal Félix Estigarribia - Chaco, Paraguai.

Arete Guasu - Mariscal Félix Estigarribia - Chaco, Paraguai.

Aldeia Jaguapiru - Casa de Rossandra

Arete Guasu - Mariscal Félix Estigarribia - Chaco, Paraguai.

Arete Guasu - Mariscal Félix Estigarribia - Chaco, Paraguai.

Festa do milho, Terra indígena Panambizinho

Festa do milho, Terra indígena Panambizinho

Curso de língua e cultura Guarani e Kaiowá, com a presença da MC Anarandá - Dourados / MS

Aldeia Jaguapiru - Casa de Rossandra

Curso de língua e cultura Guarani e Kaiowá - Casulo, Dourados/MS

Escola indígena Guateka - aula com a professora Rossandra

Cada de Jade - Reserva Indígena de Dourados

Terra Ita'y - família do Sr. Joel e Dona Teresa

Terra Ita'y - família do Sr. Joel e Dona Teresa

Arete Guasu - Mariscal Félix Estigarribia - Chaco, Paraguai.

Arete Guasu - Mariscal Félix Estigarribia - Chaco, Paraguai.

Arete Guasu - Mariscal Félix Estigarribia - Chaco, Paraguai.

Festa do milho - Terra Panabizinho

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

 Entrevista com a pesquisadora paraguaia Graciela Chamorro, professora aposentada de história indígena da UFGD, autora e coordenadora do Dicionário Kaiowá-Português. Chamorro ministrou aulas de língua e cultural Guarani e Kaiowá no início desse projeto. A entrevista foi realizada em março de 2020, durante a residência na cidade de Dourados - MS, antes da pandemia Covid-19 se instalar no mundo. No dia seguinte à entrevista retornei a Belo Horizonte - MG, naquela semana entraríamos em isolamento.


Vídeo 1



Vídeo 2





segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Conhecer tantas pessoas durante a realização desse projeto me levou a pensar novamente no projeto de trânsito/migração humana. Na memória enquanto elo. Enquanto arma. Enquanto promessa.


1 - De onde vieram seus tataravós, bisavós e avós?

2 - Como os seus tataravós se conheceram?

3 - Quais hábitos você percebe que é essencialmente da sua família?


4- Qual hábito você acha que é comum a todas as famílias que vivem na sua cidade?


5 - Há quanto tempo você vive na sua cidade?


6 - Qual o seu sonho mais recorrente?


7 - Imaginemos… se o seu tataravô pudesse subir no palco de um teatro e pudesse falar uma frase, qual seria? Para quem seria?


8 - Imaginemos… se o palco de um teatro vazio pudesse dizer uma frase para a plateia desse teatro, qual seria? E o que diria essa plateia para o palco?


9 - Você se acha importante para o mundo? Por quê?


10 - Escolha uma imagem (ou um objeto) que represente um desejo seu, atual, a ser trabalhado no teatro/na arte.

sábado, 10 de dezembro de 2022

 O dicionário de uma língua.

Há pelo menos duas décadas a professora paraguaia Graciela Chamorro vem pesquisando e desenvolvendo um dicionário da língua kaiowá. Esse projeto ganhou sua primeira versão em novembro de 2022. 

Acompanhamos o lançamento e fizemos algumas entrevistas com colaboradores kaiowá.
Esse foi o segundo retorno a Dourados-MS, após a interrupção do projeto por conta da Pandemia. 
Voltar, mais de dois anos depois, foi muito interessante. Conseguimos manter contato com algumas pessoas durante todo esse tempo, mas outros não. Pude reencontrar muitas dessas pessoas, conhecer outras.



Dia 18/11/22

Dia 18/11/22

Dia 20/11/22

Dia 20/11/22

Dia 18/11/22






quinta-feira, 1 de dezembro de 2022


Neste Workshop de contrapartida do projeto “Quase 100 papéis”, o dramaturgo e ator Assis Benevenuto irá compartilhar sua pesquisa realizada no projeto de criação dramatúrgica a partir de exercícios e trocas sobre dramaturgia com os participantes. O workshop acontecerá no Centro de Referência da Juventude/CRJ, de terça à quinta, das 14h às 18h. A participação é gratuita, mediante inscrição prévia.


>> Envie um e-mail para quase100papeis@gmail.com com seu nome completo e uma mensagem de interesse em participar. Faça sua inscrição até o dia 11/12. No dia 12 os selecionados receberão um e-mail de confirmação e demais informações para a oficina. Vem trocar com a gente! O workshop oferecerá certificado de participação de 12h/aula.




 

sábado, 26 de novembro de 2022

 Relato em processo:

Às vezes é preciso atravessar o tempo, forçar o tempo. Mas tem vezes que o tempo se impõe e nada pode contra ele, senão as leis naturais, o próprio tempo. 


A primeira ação deste projeto foi um curso de língua e cultura guarani realizado em Dourados - MS. Entre os dias 10/02/20 ao 08/03/20. Na semana que retornei a Belo Horizonte a Pandemia Covid-19 se instaurou. Segundo o site da Fiocruz "As primeiras medidas de distanciamento social implementadas no Brasil ocorreram no Distrito Federal, no dia 11 de março de 2020" Já no início da segunda quinzena tudo parou. Escolas, universidades, shoppings, comércios, bares, teatros, cinemas, shows, vidas, sonhos, projetos como este, por exemplo. O desconhecido começou a se fantasiar dentro de nós, a televisão mesclada ao sensacionalismo do horror, à luta da ciência contra as fakenews, ao desgoverno genocida... o inferno. As mortes, o aumento exponencial de contaminação, os pedidos de ajuda, o medo, algumas poucas imagens disfarçadas de utopia mostrando a natureza agindo enquanto o humanidade "se recolhia", novamente a ingenuidade disfarçada na utopia da crença de aprenderíamos algo para mudar o mundo... e mais imagens caos, de lixo, máscaras descartáveis, luvas, plásticos... animais que pouco dias antes ocuparam os centros urbanos vazios, agora eram filmados enrolados em tecidos, elásticos, etc. Todos os prazos foram suspensos... até quando? Ninguém sabia. Como ter forças contra tudo isso? Como forçar o tempo? Este projeto precisou dessa pausa... um projeto cuja a base principal era o encontro entre as pessoas. O deslocamento real e metafórico.

Retornando...
As aulas de guarani também aconteceram em aldeias, reservas e terras de retomada kaiowá e guarani da região; na cidade de Asunción, no paraguai; e no Chaco, uma região semi-árida paraguaia, vasto território ao norte/noroeste e leste do país. Lá fomos (fui com outras pessoas do curso) conhecer e vivenciar o Arete Guasu, uma festa típica dos guarani chiriguano, na Comunidad de Santa Teresita, no município de Mariscal José Félix Estigarríbia.



Sobre esses lugares falarei em outra postagem. O importante é que agora, vivo, aqui, estou fazendo o exercício de escutar o tempo. De sair da toca, ou de olhar para tudo o que foi feito dentro da toca, que na verdade é uma ação de refletir o mundo, ou parte dele que me alcança; uma ação de criar, recriar, imaginar, fabular, fazer outras realidades permeadas de tempos, lugares e pessoas. 

Durante 2020, 2021 e quase todo 2022 este projeto aconteceu de formas muito diferentes. Desde conhecer dezenas de kaiowá e guarani brasileiros e paraguaios, a imigrantes de países como Venezuela, Paraguai, Haiti entre outros, a pessoas em situação de rua, a quilombolas de Minas Gerais, a outros seres: as árvores e suas sementes.
Nem todos encontros foram passíveis de serem fotografados. Entendi que isso é um código por vezes gentil, ora muito íntimo ou arrogante, ameaçador, invasivo, bobo, pueril, estético, político, festivo, mnemônico... enfim... Na maioria das vezes o mais importante foi justamente captar o tempo presente com as pessoas e menos se preocupar em organizar um registro externo.


Uma antropóloga francesa "C.", que conheci no decorrer deste projeto, me perguntou o que eu via em todos esses encontros, o que eu buscava? Essa pergunta ficou ressoando... 
Todos esses encontros são como as fotografias (inclusive as que não tiramos), porque elas relevam coisas. Revelam-me o outro, revelam-me a mim, o mundo, ou uma partinha, titica de nada, dele. Revelam o feio, o deplorável, o amargo, o desprezível, o inominável, o medo, o preconceito... revelam o por vir, a beleza, a novidade, a liberdade, a sensação de alegria, de poder poder, de descoberta, de... utopia.

Alguns desses encontros desdobraram-se em amizades, em contatos, de sementes, em esquecimento, em lembrança borrada, em promessa, em aprendizado, em desejo, em fuga, em árvores. O mais certo é que todos esses encontros perfuraram ainda mais o tempo. A noção do tempo, de unidade, de progressão, de fixidez. 

sexta-feira, 13 de março de 2020

Alguns poemas do livro "Mujeres Inmigrantes", de Rosana Daza.



VERDADES

No existen fronteras,
No existen límites,
Solo existo yo.
Comenzar una y mil veces si fuera necesario,
Existo y no puedo negarlo.
Me miro en el espejo roto,
La pila dejo de mojar mis manos,
Suena la puerta
Entra el miedo y salgo yo.


DIFERENCIAS

Ingenuo,
No soy extranjera,
victoria repite,
no soy extranjera.
Solo tengo la piel oscura,
Los labios gruesos,
Me gusta el olor al mar.
Se levanta de la mesa,
Se limpia los zapatos,
No deja propina,
Y escribe en la servilleta,
no soy extranjera.

LOS QUE SIENTEN

Venezuela patria mía,
Cuanto necesitas personas llenas de valentía,
¿Sientes que vives?
¿Sientes que mueres?
¡Venezuela!
Necesitas a jóvenes que se detengan a pensar,
Que vayas a batallas,
Batallas sin sangre,
Batallas que dejen libertad, unión e igualdad.





Rosana Daza (1982), vive em Dourados (MS), criou uma Associação para apoiar e lutar pelos direitos dxs imigrantxs venezuelanos na cidade sul matogrossense. Foi uma das entrevistadas para o projeto "Quase 100 papéis".

terça-feira, 10 de março de 2020

Nesta primeira semana de março eu pude conversar, aqui em Dourados (MS), com pessoas que vieram da Venezuela. Refugiadas no Brasil, Rosana há 4 anos, e Genesis e Cesar há 1 ano.

Rosana Daza, é escritora, atriz, realizou mestrado em letras na UFGD e agora inicia os estudos de doutorado na UFMS. Foi a primeira pessoa a conseguir o direito de realizar uma dissertação em sua língua de origem na universidade de Dourados. Recentemente, Rosana fundou a Associação Dunamis Cultural, a "organização tem o propósito de identificar o número real de refugiados morando no município e atestar as condições em que essas pessoas estão vivendo. Com isso, será possível oferecer apoio em burocracias e assistência nas necessidades do dia a dia". Casada e mãe de 3 filhas, professora de espanhol, Rosana é também autora livro "Mujeres Inmigrantes".

Rosana falou muito sobre as diferentes realidades de gênero dos imigrantes. As dificuldades que os homens e as mulheres (muitas vezes com seus filhos) passam precisam ser atendidas, precisam de atenção e resolução. Muitas crianças não conseguiram entrar no sistema público escolar pelo fato de serem estrangeiras (a própria documentação as excluía). Além disso, quando entravam eram consideradas "atrasadas". Uma criança que estaria no sétimo ano, muitas vezes entrava no segundo. A justificativa era sempre que a criança não sabia ler nem escrever. Mas, sim, ela sabia, mas em espanhol, o que não era levando em conta. Com a Associação foi possível que as escolas realizassem provas em castellano. Mas sem esse esforço nada teria acontecido.



Gênesis, é formada em artes (música), toca piano, veio junto com seu companheiro, César, que também é formado em artes (música) e toca guitarra e violão. Com eles, também vieram os pais de Gênesis. A decisão de vir para Dourados esteve ligada à Rosana, que é tia de Gênesis. Mas não foi fácil. Ela contou que forma 7 dias de ônibus até chegar ao destino final. Os piores momentos foram até sair da Venezuela, havia medo de que não conseguissem.

César disse que lá tinham tudo, não eram ricos nem pobres, mas eram pessoas que trabalhavam e viviam: a família tinha sua casa, estudaram, iam à praia, alimentavam bem. Mas foi chegando um tempo em que a carne, que era uma refeição diária, teve que ir sendo racionada: dia sim, dia não, uma vez por semana... depois já não havia. Gênesis disse que em sua casa chegaram a ter um pão com queijo por dia apenas para comer. Era passada a hora de ir embora.

A família de César ficou por lá, pai e mãe. Ele sente muita falta, falam por internet todos os dias.

A língua é algo muito importante e significante. Você tem ou não tem. Você pode aprender, mas demanda tempo, experiência, contato... mas também psicológico. Todos eles disseram que foram muito ajudados aqui, chegaram apenas com uma pequena mochila. Não tinham roupas, fotos, comida, dinheiro, lugar onde morar.

Hoje Gênesis dá aulas de musicalização para crianças e trabalhar no bistrô do Centro Cultural Casulo. César também dá aulas de guitarra e violão e trabalha como garçom numa padaria. Faz pouco tempo que estão aqui no Brasil, mas eles têm consciência agora precisar de um tempo para se inserirem como pessoas sociais aqui, trabalhar, ganhar dinheiro, fazer planos. Ambos não conseguem validar seus diplomas nas universidades brasileiras, o que é muito ruim.

quinta-feira, 5 de março de 2020

Hoje visitei junto com a turma de guarani duas comunidades Kaiowa em terras de retomada: Tekoha Ita'y e Guyrakambi'y, no Panambi.

Pude conhecer a família do Ñanderu Joel e Ñandesy Tereza. Conversamos um bom tempo. Depois de uma roda de apresentação, eles falaram sobre a terra, as rezas, os cantos e o poder dos sonhos. D. Tereza contou que foi num sonho que ela recebeu a mensagem e entendeu que deveria começar a rezar e cantar para curar, e que já descobriu como fazer remédios enquanto sonhava. Tereza contou sobre alguns animais, outros seres que vivem no nosso corpo.

Ita'y está há quase 2 anos sem luz. Eles têm um grupo de música e dança chamado Okaraguyjetaperendy. O grupo não estavam completo, mas os que estavam naquele momento cantaram para gente. Algumas músicas tínhamos aprendido na aula de guarani e também cantamos para eles.


 
                                                                            *****

Em Guyra Kambi'y pude conhecer a D. Merina (Adelina), uma profunda conhecedora da cultura Kaiowa, seus cantos, cosmologia, história. Dona Merina é filha do grande Pa'i Chiquito. Tal como descreveu Graciela Chamorro:

"Pa’i Chiquito ou Chiquito Pa’i foi um grande líder kaiowá do século XX, na região denominada Ka’aguyrusu ‘Mato Grosso’, pelos Kaiowá. Ele é considerado pelos habitantes da Terra Indígena Panambizinho, situada a leste da cidade de Dourados MS, como seu fundador e último hechakáry ‘xamã que vê a palavra’, que orientou a comunidade a permanecer nas suas terras tradicionais, quando o indigenismo oficial lhe obrigara a abandoná-las e a integrar-se na Reserva Indígena de Dourados. Sua atuação foi decisiva para a permanência de muitas famílias kaiowá fora das reservas, na área da Colônia Agrícola Nacional – CAND, onde Getúlio Vargas fizera uma reforma agrária, nos primeiros anos da década de 1940." (ver: https://osbrasisesuasmemorias.com.br/biografia-pai-chiquito/ )

Coisas para se lembrar e buscar nas anotações: a relação entre o quente e o frio na cultura Kaiowa, na mitologia, nos remédios, nas plantas, nos animais, na pessoas e seus sentimentos. E principalmente nas rezas. A saúde está no frio.





Aguyjevete!

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Dia 19

Encontro com a MC Anaranda. Ana é Kaiowa, faz rap, é de Amambai e estuda em Dourados. Ana veio ao Centro Cultural Casulo, a convite da professora Graciela para conversar com a gente, a turma que está fazendo aulas de guarani. Dias antes um vídeo de Anaranda tinha viralizado na redes sociais. A música chama-se "feminicídio". Ana, nos contou toda sua história, cantou algumas músicas, falou de suas motivações e objetivos com a música, com o rap, com suas letras políticas. Foram quase 2 horas escutando nos contando tantas coisas e aprendendo mais um pouco de guarani. Ela falou praticamente só em guarani, o que foi muito generoso e importante.

Segue a música:





Depois do encontro formal, nós pudemos conversar um bom tempo sobre música, teatro, direitos autorais, e sobre várias outras coisas.
Depois fui até a casa de Ana, conhecei o Fábio, seu companheiro. Foi um momento muito forte, um encontro rápido. Fábio cantou e fez uma reza para gente, e disse: "Agora vocês vão se lembrar que estiveram na casa de um índio. Vocês vão se lembrar que pisaram aqui". Fábio também é músico, letrista.
Aguyje Ana e Fabio.


terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Dia 18

Primeiro encontro:

Dia de encontro muito com pessoas incríveis. Na primeira visita, conheci com o Bruno do Bro Mc's, e Jade Ribeiro que é atriz e tem um canal no youtube chamado Koa Kuera. Lá também estavam xs filhxs, pais, e o pessoal que está fazendo o curso de guarani.

Vídeo Bro Mc's:





Vídeo Koa Kuera:



Jade disse quer criar um grupo de teatro lá na aldeia Jaguapiru. Conversamos um pouco sobre a experiência dela na universidade, no curso de teatro, também sobre as peças, os desejos em fazer teatro. De fato, nosso ensino e as referências de teatro ainda são muito colonialistas.





Segunda encontro:

Casa da professora, mestranda e atriz Rossandra, que é Kaiowa. Lá estavam xs filhxs (a Babi, a filha mais velha, radialista) e seu marido Juvenal que também é radialista da radioindigenafm e editor de vídeos, cinegrafista.

Ficamos sentados do lado de fora, no terreiro, embaixo de uma árvore, tomando tereré. Além de palavras novas em Kaiowa, elxs nos contaram também sobre algumas histórias da cultura.
Perguntei a Rossandra qual ou quais palavras ela gostava mais na língua kaiowa. Ela então me disse:

Mbareté = Força.
Hendy = Brilho. O brilho vital.
Imarangatu =

Juvenal disse de duas palavras:
- Kyrey = ter o ânimo, ter energia vital para algo, uma alegria desse tipo vital, força de vontade de fazer por você mesmo. Estar animado.
- Mbareté.


Rossandra também contou sobre alguns conceitos que está trabalhando com seus alunos da escola:

Teko Joja = Justiça, igualdade, ensinar a viver bem. Dança, comida, terra, elementos da cultura para se viver bem.
Teko Porã = Estar bem com sua família, comunidade, sociedade, saber compartilhar ideias semelhantes e diferentes.
Teko Arandu = Estudo, sabedoria, cosmologia, raiz de onde vem, trabalho,
Teko Vai = Volência, não compartilhar, tudo que é ruim. É o contrário do Teko Joja
Teko Mbo'e = Modo de ensinar, a capacidade que todos têm de aprender e ensinar. Tudo o que você aprendeu está em você.
Teko Mbyja'o = Compartilhar, saber compartilhar.




sábado, 15 de fevereiro de 2020

Neste sábado acompanhei uma reunião entre uma comunidade Kaiowá, advogados representantes dos donos das terras e Funai. O caso é tais terras tinham sido compradas há muitos anos por uma pessoa de outra cidade/estado e tudo ficou de herança para os filhos. Terras com mata, rio, etc. Essa comunidade Kaiowa habita esse território há mais de 50 anos (ou muito mais!) é o que se pôde ter de registro documental, mas "ninguém" se dava conta disso, porque eles viviam dentro da mata. Há alguns anos parte do terreno foi vendida para Caixa Econômica Federal para construção de casas populares e então em algum momento a obra foi embargada pelo MP, pois graças a um estudo que estava documentado e vinha sendo feito há alguns anos, sobre a presença daquela comunidade Kaiowa naquele espaço. Há mais ou menos 4 anos os donos herdeiros da terra vem tentando negociar com essa comunidade como dividir a terra. Isso é um caso muito diferente do que acontece geralmente. E a reunião desse sábado era pra mais uma vez tentar chegar num acordo. O espaço que esses Kaiowás vivem abrange 13 terras particulares. Sendo que tal acordo estava sendo feito com apenas 3 deles (irmãos).




Chegamos cedo, 7h. A liderança da comunidade já estava lá e aos poucos mais e mais integrantes (com muitas crianças e jovens) iam chegando com suas cadeiras. Havia muitos cachorros também.

Fui acompanhando a professora de guarani, que fazia a mediação/tradução tanto linguística quanto cultural entre os Kaiowas e os advogados.

Em um momento uma das mulheres Kaiowas disse: nós queremos é o direito da terra. Não o nosso direito apenas de ter a terra, mas principalmente o direito que a terra tem, ela tem o direito de permanecer aqui, como está com sua mata, com nós aqui, porque nós somos feitos de terra. Depois que a gente morre a gente vira terra novamente.

Outra mulher disse: eles querem que a gente fique só dentro da mata, mas a gente não pode morar no meio do mato, a gente tem que morar num lugar limpo, porque no mato moram outros seres. Nós não somos outros seres. (isso tem a ver com os limites de terra que os herdeiros estavam oferecendo).

Dentro da oferta feita aos kaiowas estava uma quantidade x de hectares + benefícios (construção de casa para cada família). No entanto essa não é a cultura deles. Eles não querem viver numa vila apertada. Ainda mais que esses benefícios todos geram custo: conta de luz, conta de água, etc... E quem vai pagar isso depois? Então a liderança uma hora disse: a gente faz acordo se a divisa passar por tal lugar e se pra isso vocês não quiserem construir casa pra gente, tudo bem. E foi perguntando pros seus: "Você, aqui, já passou fome alguma vez aqui?" "Já te faltou alguma coisa, aqui onde vivemos em comunidade"? "Então, a gente não quer suas casas".

Outra coisa muito sábia que a liderança disse ao advogado foi: nessa parte aqui, que é de vocês (da construtora) a gente não quer que vocês construam prédios, casas porque é muito perto da gente: se vocês construírem aqui nesta parte, vai ter gente morando aí que tem armas, isso vai trazer lixo pra gente, doença, além do preconceito. Essa fala do chefe é muito importante porque as pessoas que vão morar ali, de outra cultura, ele sabe que não gostam deles. E essa será a vizinhança. Por fim ele disse: ao invés de casas, aqui, nesta parte, vocês devem construir uma escola e um posto de saúde.

No momento final do encontro, quando estavam escrevendo a ata da reunião, a liderança estava desenhando o mapa das terras no chão, todas as pessoas em volta, ali, vendo aqueles riscos na terra feitos com um pedaço de pau, é que todxs estavam reunidos.

SR. R. (cerca de 70 anos)
Em um momento conversei um tempo com um Kaiowa mais velho, que mora numa outra aldeia mas que estava ali acompanhando, pois conhecia a todxs e também porque ele havia trabalhado para um dos donos daquelas terras há muitos anos. Sr. R. contou que quando tinha dois meses de idade foi doado pra um orfanato, ele todxs irmãxs. Sua mãe faleceu. Seu pai foi viver com outra mulher. Aos 7 anos de idade um fazendeiro da região foi ao orfanato e pegou 4 crianças, como disse Sr R.: 2 negros, 1 louro e ele, índio. Todos crianças. Os negros foram levados pra cuidar do chiqueiro. O louro pra cuidar dos bezerros e ele, índio, pra limpar o terreiro. Sr. R disse que apanhou muito desse fazendeiro. Uma vez, a esposa do fazendeiro disse que R. não cuidaria do terreiro mas que a ajudaria a cuidar da filha bebê. Então ela tirou R. do terreiro e levou pra casa. Mas era dia dele limpar todo o terreiro. Quando o marido voltou e viu o terreiro sujo, bateu nele. Ao tentar explicar, o fazendeiro disse: no meu terreiro quem canta não é galinha, é o galo. R. me disse que resolveu fugir. E a noite saiu sem nem saber pra onde iria, e uma cachorrinha da fazenda o acompanhou. Foram 7 dias e 7 noites dormindo na estrada e comendo apenas araçá, uma fruta. Disse que durante o percurso, chegou num lugar que tinha umas casinhas, várias, e tentou chamar alguém para ajudá-lo, ficava em frente batendo palma pra ver se alguém vinha. Ele não sabia o que era um cemitério. Ninguém respondeu e ele seguiu o caminho.

Depois que tudo foi feito, ata escrita, lida em português e em guarani e todos demais se dispersaram a liderança nos levou para andar pelo pequeno espaço de mata da terra.