sábado, 26 de novembro de 2022

 Relato em processo:

Às vezes é preciso atravessar o tempo, forçar o tempo. Mas tem vezes que o tempo se impõe e nada pode contra ele, senão as leis naturais, o próprio tempo. 


A primeira ação deste projeto foi um curso de língua e cultura guarani realizado em Dourados - MS. Entre os dias 10/02/20 ao 08/03/20. Na semana que retornei a Belo Horizonte a Pandemia Covid-19 se instaurou. Segundo o site da Fiocruz "As primeiras medidas de distanciamento social implementadas no Brasil ocorreram no Distrito Federal, no dia 11 de março de 2020" Já no início da segunda quinzena tudo parou. Escolas, universidades, shoppings, comércios, bares, teatros, cinemas, shows, vidas, sonhos, projetos como este, por exemplo. O desconhecido começou a se fantasiar dentro de nós, a televisão mesclada ao sensacionalismo do horror, à luta da ciência contra as fakenews, ao desgoverno genocida... o inferno. As mortes, o aumento exponencial de contaminação, os pedidos de ajuda, o medo, algumas poucas imagens disfarçadas de utopia mostrando a natureza agindo enquanto o humanidade "se recolhia", novamente a ingenuidade disfarçada na utopia da crença de aprenderíamos algo para mudar o mundo... e mais imagens caos, de lixo, máscaras descartáveis, luvas, plásticos... animais que pouco dias antes ocuparam os centros urbanos vazios, agora eram filmados enrolados em tecidos, elásticos, etc. Todos os prazos foram suspensos... até quando? Ninguém sabia. Como ter forças contra tudo isso? Como forçar o tempo? Este projeto precisou dessa pausa... um projeto cuja a base principal era o encontro entre as pessoas. O deslocamento real e metafórico.

Retornando...
As aulas de guarani também aconteceram em aldeias, reservas e terras de retomada kaiowá e guarani da região; na cidade de Asunción, no paraguai; e no Chaco, uma região semi-árida paraguaia, vasto território ao norte/noroeste e leste do país. Lá fomos (fui com outras pessoas do curso) conhecer e vivenciar o Arete Guasu, uma festa típica dos guarani chiriguano, na Comunidad de Santa Teresita, no município de Mariscal José Félix Estigarríbia.



Sobre esses lugares falarei em outra postagem. O importante é que agora, vivo, aqui, estou fazendo o exercício de escutar o tempo. De sair da toca, ou de olhar para tudo o que foi feito dentro da toca, que na verdade é uma ação de refletir o mundo, ou parte dele que me alcança; uma ação de criar, recriar, imaginar, fabular, fazer outras realidades permeadas de tempos, lugares e pessoas. 

Durante 2020, 2021 e quase todo 2022 este projeto aconteceu de formas muito diferentes. Desde conhecer dezenas de kaiowá e guarani brasileiros e paraguaios, a imigrantes de países como Venezuela, Paraguai, Haiti entre outros, a pessoas em situação de rua, a quilombolas de Minas Gerais, a outros seres: as árvores e suas sementes.
Nem todos encontros foram passíveis de serem fotografados. Entendi que isso é um código por vezes gentil, ora muito íntimo ou arrogante, ameaçador, invasivo, bobo, pueril, estético, político, festivo, mnemônico... enfim... Na maioria das vezes o mais importante foi justamente captar o tempo presente com as pessoas e menos se preocupar em organizar um registro externo.


Uma antropóloga francesa "C.", que conheci no decorrer deste projeto, me perguntou o que eu via em todos esses encontros, o que eu buscava? Essa pergunta ficou ressoando... 
Todos esses encontros são como as fotografias (inclusive as que não tiramos), porque elas relevam coisas. Revelam-me o outro, revelam-me a mim, o mundo, ou uma partinha, titica de nada, dele. Revelam o feio, o deplorável, o amargo, o desprezível, o inominável, o medo, o preconceito... revelam o por vir, a beleza, a novidade, a liberdade, a sensação de alegria, de poder poder, de descoberta, de... utopia.

Alguns desses encontros desdobraram-se em amizades, em contatos, de sementes, em esquecimento, em lembrança borrada, em promessa, em aprendizado, em desejo, em fuga, em árvores. O mais certo é que todos esses encontros perfuraram ainda mais o tempo. A noção do tempo, de unidade, de progressão, de fixidez.